Primeiro repórter a anunciar o início dos bombardeios a Bagdad, na madrugada de 20 de Março de 2003, faz quinta-feira cinco anos, Carlos Fino é actualmente conselheiro de imprensa da embaixada de Portugal no Brasil.
"O que constato, como observador, é que essa política da guerra contra o terror não só se consolidou na prática da administração norte-americana, como também na filosofia de actuação, e suscitou, igualmente, resistências e adaptações", assinalou o ex-correspondente da RTP.
Na sua avaliação, duas tendências estão em jogo - o uso da força para combater o terror e o reforço do Estado de Direito, com medidas de maior justiça, equilíbrio social e de mais diálogo para encontrar soluções.
"O jogo não está fechado e depende muito do que se passa na sede da única potência mundial que temos hoje. Se ganharem as forças que até agora têm definido essa linha (da administração Bush), continuaremos a ter a guerra ao terror, mas pode ser que haja uma mudança em Washington", referiu Fino.
O jornalista destacou que os próprios Estados Unidos defendem uma solução que passa por um entendimento político alargado dentro do Iraque e pela saída faseada das tropas estrangeiras, negociada com as novas autoridades iraquianas para evitar a anarquia e o terrorismo.
"Por outro lado, um dos candidatos à Casa Branca fala em permanência das tropas no Iraque por mais cem anos", acrescentou.
O ex-correspondente da RTP lembrou que a II Guerra do Golfo teve implicações globais, como a divisão da Organização das Nações Unidas (ONU), da NATO, manifestações por todo o mundo, adopção de medidas de segurança mais rígidas, como maior controlo nos aeroportos.
Na sua opinião, não se pode deixar de dar algum crédito às reacções americanas suscitadas pelo 11 de Setembro, porque há um problema sério de segurança internacional que tem de ser encarado.
"Resta saber se essa estratégia de acentuar os aspectos de força é a mais adequada para combater esse fenómenos", afirmou, citando críticos portugueses dessa política como o general Loureiro dos Santos e o sociólogo Boaventura de Sousa Santos.
Para Carlos Fino, os defensores da guerra contra o terror querem que ela se instale na política mundial um pouco como se instalou a luta contra o comunismo, marcando toda uma época.
Questionado sobre a posição da União Europeia neste contexto, o jornalista disse que a UE nunca se constituiu num pólo de contraponto a esse paradigma, embora os franceses tenham defendido isso.
"A União Europeia é uma potência comercial, mas não militar. Há uma tendência dentro do bloco de salientar mais os aspectos dos direitos humanos, das questões de justiça, equilíbrio social e defesa do ambiente. Mas o que predomina é a ligação com os Estados Unidos", observou.
Fino citou ainda uma frase muito conhecida nos meios jornalísticos: "A relação entre Estados Unidos e Europa é como a música de Wagner - não é tão má como parece à primeira vista".
No entanto, o ex-correspondente de guerra acredita que "muitos líderes europeus, à noite, rezam para que alguma coisa mude em Washington".
"E depende muito disso, porque os outros Estados, que não estão ligados a este paradigma da luta contra o terror, os países emergentes, como Brasil, China, Índia, África do Sul, todas as movimentações de opinião, as ONGs, os fóruns de Porto Alegre e do mundo não parecem suficientes para alterar essa situação", acrescentou.
Carlos Fino nota também que a maior preocupação hoje em alguns Estados norte-americanos não é com a guerra do Iraque e sim com a economia.
"Talvez não se faça na opinião pública uma ligação directa entre os biliões de dólares gastos no Iraque e a situação económica no país, entre a guerra e o aumento do preço do petróleo", explicou.
Outro aspecto a considerar, que é diferente da guerra no Vietname, é o facto de o conflito no Iraque estar a ser travada por um corpo de militares que são voluntários e contratados por empresas privadas de segurança que assumem os riscos.
"Esse tipo de actuação parece ser mais imune à críticas por parte da generalidade do público", comentou Fino.
No seu escritório actual na embaixada portuguesa em Brasília, uma foto sua tirada em frente a um tanque de guerra em Bagdad traz-lhe lembranças dos três meses em que passou na frente da linha de tiros.
"Logo na entrada das tropas norte-americanas constatamos que as forças implicadas não eram suficientemente grandes para contornar toda a situação. Por outro lado, parece não ter havido um plano de acção bem definido para o `day after", observou.
Fino recordou ainda alguns acontecimentos que marcaram o seu trabalho de correspondente no Iraque, reconhecido internacionalmente.
Um deles foi o disparo de um tanque norte-americano contra o Hotel Palestina, em Bagdad, onde estavam abrigados os correspondentes estrangeiros.
"Senti muito aquele tiro. Bastaria um pequeno ângulo diferente do canhão para que fôssemos nós (a morrer) e não os meus dois colegas de trabalho que estavam dois pisos abaixo".
© 2008 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.2008-03-19 09:40:02
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