Quando há uns meses o escritor e prémio Nobel da literatura José Saramago falou ao DN sobre o livro que estava a escrever, já tinha afirmado que o título seria composto de uma única palavra. Ontem ficámos a conhecê-la: Caim, um nome povoado de ressonâncias bíblicas, históricas e filosóficas.
Porém, o novo livro de Saramago, a ser lançado em Outubro na Feira do Livro de Frankfurt, "não é um tratado de teologia nem um ensaio, é uma ficção" escreve Pilar Del Rio no blogue do escritor. Saramago retoma a história bíblica do assas- sínio de Abel pelo seu irmão Caim, mas, no romance é atribuída a Deus a autoria moral do crime e uma consequente redenção de Caim. Nesta obra, o escritor volta mostrar um Deus arbitrário, incoerente e tirano, que embora tenha sido criado pelo homem é causador de muitos dos seus males.
"Deus, o demónio, o bem, o mal, tudo isso está na nossa cabeça, não no céu ou no inferno, que também inventámos. Não nos damos conta que, ao termos inventado Deus, nos tornámos imediatamente escravos dele", diz Saramago ao jornal espanhol La Vanguardia. E prossegue afirmando que este livro "não é um ajuste de contas com Deus, mas um ajuste de contas definitivo com os homens que o inventaram".
A presença de referências bíblicas ou de críticas mais ou menos abertas à religião católica e à Igreja são um dos traços que caracterizam a obra de Saramago. No entanto, neste novo livro, o escritor aborda o tema recorrendo a um tom mais irónico, ao contrário do que fez, por exemplo, na obra O Evangelho Segundo Jesus Cristo, o que lhe valeu em 1991 ter sido vetado pelo Governo de então para concorrer ao prémio Europeu de Literatura. Este veto culminou com a saída do escritor de Portugal e a sua posterior fixação na ilha espanhola de Lanzarote.
Agora, Saramago já não teme voltar a ser crucificado, "alguns talvez o façam, mas o espectáculo já será menos interessante", declara ao mesmo jornal.
O livro foi escrito entre Dezembro de 2008 e Abril de 2009 "numa espécie de transe, como nun-ca me tinha acontecido", conta ainda o escritor, que prossegue dizendo que a personagem de Caim era uma daquelas que habitavam há muitos anos o seu ima-ginário. O início deste romance coincidiu com a ofensiva de Israel na Faixa de Gaza, situação que poderá não ser totalmente alheia ao regresso do escritor a esta temática, ou à escolha para cenário de um local onde a vivência da re- ligião tem alimentado tantos e tão longos conflitos. Uma "irresumível história sobre a justiça e a injustiça", foi assim que Zeferino Coelho, o editor de Saramago descreveu ao DN o livro de 200 pá- ginas, que no final de Outubro estará à venda nas livrarias de Portugal e Espanha. "Escrever é a melhor maneira de permanecer vivo", declarou ao El Pais, o prémio Nobel português.
Fonte: DN ArtesEtiquetas: abel, animation gif, ateísmo, Bíblia, Caim, Cartoon, Deus, Escritor, José Saramago, literatura, narrativa, romance, tirano, título