Poucos segundos depois de entrar na sala da Audiência Provincial de Sankt Pölten, onde está sendo julgado, Fritzl pediu a palavra e surpreendeu o tribunal e os poucos representantes de veículos de comunicação presentes, entre os quais a Agência Efe.
"Declaro-me culpado", admitiu o aposentado de 73 anos, apenas dois dias depois de ter negado responsabilidade nos dois crimes mais graves pelos quais é acusado: assassinato e escravidão.
O primeiro se refere a seu envolvimento na morte, em 1996, de um dos sete filhos que teve com Elisabeth, que acusa o pai de ter ignorado os graves problemas respiratórios do recém-nascido.
Diante das perguntas da juíza Andrea Humer, que dirige o caso, Fritzl reconheceu que deveria "ter se dado conta de que o bebê estava mal".
"Não sei por que não o ajudei. Tinha esperança de que suportasse", confessou Fritzl.
"Tinha que ter feito algo", admitiu o acusado, que também assumiu a responsabilidade pelos crimes de coação grave e estupro, dos quais se declarou inocente ou parcialmente culpado ontem - ele admitiu ter cometidos os delitos de cárcere privado e incesto.
A reação de Fritzl pegou todos de surpresa. Questionado pela Efe, o advogado do acusado, Rudolf Mayer, reconheceu estar "surpreso" e disse estar sem palavras para falar sobre a mudança de opinião de seu cliente.
Mayer especulou que a mudança de atitude de Fritzl pode ter sido provocada pela exibição, na terça-feira, ao júri, do vídeo contendo o testemunho de Elisabeth.
Em 11 horas de depoimento, a vítima falou sobre seus mais de oito mil dias de cativeiro, os estupros, os sete filhos que deu à luz no porão e sua vida em um local de cerca de 60 metros quadrados, sem ventilação nem luz natural.
Mayer contou que, após ter assistido ao vídeo, Fritzl pediu para ser atendido por um psiquiatra, alegando ter passado por uma forte "experiência emocional" que teria deixado seu cliente "comovido".
O advogado lembrou que esta foi a primeira vez em que Fritzl foi confrontado com o testemunho incriminativo de sua filha.
Após sua confissão, Fritzl permaneceu no banco dos réus enquanto ouvia, de olhos fechados, o depoimento da psiquiatra Adelheid Kastner sobre sua condição mental.
A especialista falou sobre os maus-tratos dos quais Fritzl foi vítima quando criança por parte da mãe para explicar a "alteração da personalidade" que o réu teria sofrido.
Segundo Kastner, tal alteração se manifesta em uma inibição da capacidade de sentir e em uma "gigantesca necessidade de poder".
Com o tempo, essa ânsia de poder foi se desenvolvendo em "fantasias" e o acusado foi se convencendo de que "não seria tão ruim" concretizá-las.
Assim, Fritzl liberou seus desejos de "possuir uma pessoa somente para ele" e "gozar sem limite de suas necessidades sexuais". E tudo isso com uma vítima escolhida de forma premeditada: sua filha.
Elisabeth tinha então 18 anos e uma atitude rebelde, algo que a transformou em um "desafio". A psiquiatra explicou que, "quanto mais forte é o adversário, maior é a vitória".
De acordo com Kastner, Fritzl queria estabelecer com sua filha vínculos que não pudessem ser rompidos - algo que explica, em parte, o fato de ter tido filhos com ela.
Mesmo assim, de acordo com o relatório psiquiátrico, Fritzl acumulou sentimentos de culpa durante todo o tempo em que manteve trancados Elisabeth e seus filhos.
Por causa disso tudo, a médica recomendou, no caso de condenação, que o réu seja internado em uma instituição para criminosos com problemas mentais, já que considera possível o risco de reincidência.
Com o testemunho da psiquiatra e a leitura de dois relatórios técnicos sobre a ventilação e o sistema de abertura do cativeiro, a juíza deu por encerrada a fase de "apresentação de provas" e as enviou ao júri para que, amanhã, este responda ao questionário do qual sairá a declaração de inocência ou culpabilidade de Fritzl.
Os oito membros do júri popular e os três juízes profissionais que conduzem o processo decidirão a sentença, que pode ir de um ano de cadeia até a prisão perpétua. EFE