Searching for the face of God
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Homilia Pontifical do Natal por D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa1. O início do Evangelho de São João, que agora escutámos, resume bem o que significa para o homem esta ousadia do amor de Deus, que foi fazer-se Homem. “A Deus nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no seio do Pai, é que O deu a conhecer” (Jo. 1,18). Está explicado o motivo de Deus para a encarnação do seu Verbo eterno: para que o homem O pudesse conhecer, pudesse ver o Seu rosto. Ver o rosto de Deus, conhecê-l’O face a face, foi um anseio profundo dos crentes de Israel. Moisés, o homem de Deus, com quem Deus falava como um amigo fala ao seu amigo (cf. Ex. 33,11), no alto do Sinai, ousa pedir: “Senhor, deixa-me ver o Teu rosto” (Ex. 33,18).
Este desejo brota da fé de Israel. Só se deseja conhecer o rosto de um amigo, de alguém que sentimos perto de nós. O crente de Israel sofre a tensão de uma dupla experiência: a certeza de que Deus está presente, interessa-se pelo Povo, nas maravilhas que realiza em seu favor, é um Deus que deseja intimidade; mas, por outro lado, Ele é um mistério difícil de alcançar, o que leva o Salmista a exclamar: “Tu és, na verdade, um Deus escondido” (Is. 45,15). Tudo isto faz ressaltar o dom inaudito da Encarnação: em Jesus Cristo pode contemplar-se o rosto de Deus. Ele é a derradeira atitude de Deus para se tornar próximo e se dar a conhecer ao Seu Povo, Ele que “muitas vezes e de muitos modos falou antigamente aos nossos pais, pelos profetas e que, nestes dias que são os últimos, nos falou por Seu Filho” (He. 1,1ss).
2. Já Isaías enalteceu os mensageiros que trazem a notícia do regresso de Deus a Sião, que leva todos a soltar brados de alegria porque vêem, com os próprios olhos, Deus que volta para Sião. O Profeta acredita que esse regresso de Deus à intimidade com o Povo da Aliança será o ponto de partida do anúncio do Deus vivo a todos os povos do mundo. “O Senhor descobriu o seu santo braço à vista de todas as nações e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus” (Is. 52,10). Esta consciência de que o Povo do Senhor terá como missão anunciar o Deus vivo a todos os povos, radicalizar-se-á em Jesus Cristo e na sua Igreja, que é sacramento de salvação para todos os povos. Ir por todo o mundo a anunciar a salvação de Deus, em Jesus Cristo, é a missão da Igreja, expressa no último envio dos Apóstolos, por Jesus: “Todo o poder Me foi dado no Céu e na Terra; ide, pois, e fazei discípulos em todas as nações” (Mt. 28,18).
Este anúncio do profeta do regresso de Deus a Sião é o anúncio do Messias, da encarnação do Verbo de Deus. Nunca como em Jesus Cristo, Deus esteve presente no meio do seu Povo. Esta vinda de Deus para Sião não foi facilmente reconhecida pela totalidade do Povo. São João reconhece-o: “Veio para o que era seu e os seus não O receberam” (Jo. 1,11); “a luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam” (Jo. 1,5). Este é um dos grandes paradoxos da história: um povo oficialmente crente em Deus, não reconhece Deus que o visita.
Este paradoxo verifica-se hoje, na nossa sociedade. Somos um povo cuja cultura foi profundamente marcada pelo cristianismo, em que a grande maioria dos portugueses são baptizados, mas que celebrando o Natal de forma cultural, não reconhece em Jesus o Deus que o visita.
O Natal interpela, antes de mais, a Igreja. O nascimento de Jesus é uma proposta de intimidade com Deus que vem, sempre de novo, ao nosso encontro em Jesus Cristo. Se não vivermos a profundidade e a surpresa desse encontro, não o podemos anunciar com convicção, não seremos o lugar a partir do qual é anunciado ao mundo o verdadeiro Deus.
3. Só esse anúncio, que seja testemunho do encontro com o rosto de Deus no rosto humano de Jesus, será luz que brilha nas trevas, vencerá a indiferença, o agnosticismo e mesmo o ateísmo. Hoje, na nossa sociedade, há alguns que negam mesmo a existência de Deus, atitude que pode parecer clara na lógica da razão, mas que não tranquiliza o coração. Outros refugiam-se na atitude agnóstica de quem não se pronuncia, de quem não sabe dizer nada sobre Deus, que respeitam os crentes mas não se sentem interpelados por eles, esquecendo que há inquietações profundas que dificilmente se podem calar, que “o coração tem razões que a razão desconhece”, na expressão popular que tenta definir o amor. Mas a maior parte dos nossos contemporâneos adiam sempre, para mais tarde, uma tomada de posição sobre Deus, acabando assim por adiar um encontro com o próprio Deus. No diálogo com todos estes nossos irmãos devemos apresentar-nos na humildade da nossa fé, que se gera certezas inabaláveis, sem sempre exclui a obscuridade e a dúvida. Temos em comum com todos os que procuram, o nosso desejo de ver a Deus, de poder contemplar o Seu rosto.
A compreensão da fé, em todo o Novo Testamento, é uma adesão a Jesus Cristo como caminho para a visão de Deus. A sua expressão mais forte é a esperança, que vence obstáculos e dificuldades, desejando ver a Deus face a face. Em São Paulo é clara essa compreensão da fé como caminho humilde e confiante à procura do rosto de Deus. Aos Coríntios ele escreve: “hoje vemos como num espelho, de maneira confusa, mas então veremos face a face. Hoje conheço de maneira imperfeita, mas então conhecerei como sou conhecido” (1Cor. 13,12). O encontro perfeito e definitivo com Cristo é para Paulo o cumular da esperança.
Contemplemos o nascimento de Jesus celebrando a sua Páscoa. Esta proporciona-nos, continuamente, o encontro vivo com Ele, por via sacramental, e assim vamos aprendendo a desejar, sempre mais, aquele momento em que, no Seu rosto, contemplaremos o rosto de Deus.
D. José Policarpo, Cardeal-Patriarca de Lisboa
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