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Números de 2001 indicam que menos de 25 por cento dos portugueses vão à missa. As igrejas cheias contrastam com a situação mais comum
No Chiado, em Lisboa, a Igreja de Nossa Senhora dos Mártires tem as suas portas abertas de par em par. Quem sobe ou desce a rua Garrett, pode espreitar os mármores e a talha dourada. As portas abertas são um convite a entrar, a visitar ou a ficar, por um bocadinho retirado do mundo.
A igreja dos Mártires não é a única. Por toda a cidade, por todo o país, há igrejas de portas abertas. Mas isso não significa que os portugueses entrem. As estatísticas dizem que as igrejas estão vazias. Em 25 anos, entre 1977 e 2001, o número de pessoas que abandonou a frequência da missa de domingo foi de 507 mil. Nessa altura, menos de um quarto da população tinha prática dominical.
Hoje, os números poderão ser mais preocupantes para a Igreja Católica. Não é por acaso que, no último encontro do Papa com os bispos portugueses, há precisamente três meses, Bento XVI chamou a atenção para este aspecto. As igrejas estão vazias e os leigos longe da vida comunitária, resumiu, depois de ter lido os relatórios que os bispos lhe apresentaram. "Todos somos corresponsáveis pelo crescimento da Igreja", disse. "A palavra de ordem era, e é, construir caminhos de comunhão", frisou.
"Durante a semana, entra muita gente. Ao domingo, já não se faz toilette para vir ao Chiado, mas ainda vêm famílias, que já não moram aqui, mas vêm pela tradição", conta o pároco, padre Armando Duarte. A definição de "muita gente" é um total de cerca de uma centena de pessoas que vai às três missas diárias, define.
Um número que nada tem a ver com os dois a cinco milhares que podem passar por outras igrejas, como a do Campo Grande, em Lisboa, a de Santo António, no Estoril, ou a de Ramalde, no Porto.
Estas estão cheias de vida e de actividade. Os padres são bons comunicadores, as comunidades são activas: além da catequese, há grupos de jovens e adultos, múltiplas actividades e centros sociais a funcionar.
Carisma e liderança
É este o segredo para encher as igrejas? "O carisma do sacerdote, a sua capacidade de captar e mobilizar as pessoas e de se afirmar como líder, são sempre muito importantes", responde Helena Vilaça, socióloga e professora na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.Mas não basta: a estrutura da missa, embora obedecendo às regras, pode ser "mais atractiva", assim como o "conteúdo do discurso", continua Helena Vilaça, que fez a tese na área da Sociologia das Religiões.
O problema das igrejas vazias reside nos padres que "ignoram como é que se preside a uma reunião", que desconhecem como é que se devem envolver com as pessoas que têm à sua frente, avalia Mário Bacalhau, sociólogo. Em tempos, já propôs à Igreja Católica fazer uma análise da forma como as celebrações são realizadas e do comportamento dos padres em termos da relação humana e da comunicação. A resposta foi negativa.
Aos bispos, o Papa pediu que mudassem o "estilo de vida" e a "mentalidade" dos membros da comunidade eclesial. Mário Bacalhau concorda: "O problema da Igreja portuguesa é que o nosso clero é mental e culturalmente fechado. A linguagem que usa é fechada e está longe da que caracteriza a cultura dominante.
"Helena Vilaça diz que o que faz os padres terem casa cheia é o seu discurso ser "interessante, atractivo e actualizado, que vai ao encontro das pessoas".
A própria celebração não deve ser esquecida. Em algumas igrejas, os cânticos são "muito antiquados, quer no significado das palavras como no ritmo musical", analisa Mário Bacalhau. "A estrutura pode ser mais atractiva", concorda Helena Vilaça.
Mas não é só o padre que faz a paróquia, defendem os sociólogos. São as pessoas e o local onde esta está fixada. É natural que uma paróquia numa zona mais desertificada acolha menos pessoas. É compreensível que uma igreja situada numa região onde a maior parte da população está envelhecida, tenha menos actividades. Ou que outra, numa zona de jovens afastados do cristianismo, não seja dinâmica.
Mas, sublinha Mário Bacalhau, se houver um bom acolhimento e celebrações comunitárias, se os padres tiverem uma relação dinâmica com as pessoas, as igrejas poderão encher.
"Vamos todos à casa de Jesus... Vamos todos à casa de Jesus", as vozes infantis arrastam as palavras e gritam-nas no tom mimado que têm os meninos de quatro e cinco anos quando cantam. À frente, de viola contra ao peito, a educadora dedilha a estrofe e diz a frase que os mais pequenos repetem, enquanto caminham pelo corredor.O grupo atravessa a entrada do centro paroquial do Campo Grande, em Lisboa, onde há uma livraria e um pequeno bar, com mesinhas, ocupadas por idosos, à conversa, e segue para a igreja.
Minutos depois das crianças voltarem para a sala do jardim de infância da paróquia, regressa o silêncio à igreja que volta a ficar vazia. Do lado de lá da porta por onde os meninos saíram, há vida. No centro paroquial funciona creche, jardim de infância, centro de dia para a terceira idade e dezenas de actividades para crianças, jovens, adultos e idosos. Todos os dias. Para não falar das iniciativas que são feitas nos bairros mais pobres da paróquia.
É ao fim-de-semana que o templo se enche. De um dos lados do edifício, a talha dourada foi substituída por enormes portas brancas, desdobráveis, que se abrem, de maneira a conquistar mais espaço. Ao sábado e domingo, passam entre quatro a cinco mil pessoas por ali, para celebrar a eucaristia. Há gente que vem de longe porque a paróquia de referência deixou de ser a de ao pé de casa, diz o pároco Vítor Feytor Pinto, 75 anos. Vêm de Santarém, da linha do Estoril e de Cascais, orgulha-se. Não vêm só por ele, mas para ouvir também os padres João Resina, Lázaro Carvalho e António Maria Alves, que com ele ali trabalham, salvaguarda.
"É o tipo de vida que temos aqui que traz as pessoas", diz Feytor Pinto para justificar o sucesso da sua paróquia: 60 por cento dos fiéis que ali vão não são do Campo Grande. É uma paróquia heterogénea, onde o acolhimento é importante: "As pessoas têm de se sentir bem e sair daqui contentes", diz. Depois, é preciso cativar os cristãos para os mais de 30 projectos existentes. Há lugar para todos: leitores, cantores, catequistas, grupos de reflexão e outros de missão, que partem para o estrangeiro.
João Pereira é médico e vai com a família, a mulher e dois filhos adolescentes, todos os domingos, à missa das 19h. Gosta de ouvir Feytor Pinto porque "tem uma visão actual do mundo, é um homem culto que fala sobre tudo". Os filhos, continua, gostam porque há cânticos alegres, que eles seguem por uma folha distribuída à entrada e que se deixa no lugar, para a próxima missa. A esta hora, o coro é constituído por jovens que cantam ao som de violas.Feytor Pinto não tem dúvidas que "o modo como se anuncia a palavra" é um factor importante para a paróquia "estar cheia". O padre considera que saber comunicar é fundamental e não se reduz à homilia, mas a toda a eucaristia. "Quando dou a comunhão, estou sempre a sorrir, porque estou a dar o corpo de Cristo e isso é uma grande alegria. Tudo isto é comunicação." B.W.
"No reino de Deus não há geografia e as pessoas têm que ir aonde se sentem atraídas. A igreja não tem que ser uma coisa triste." É assim que António Teixeira, 41 anos, pároco de Santo António do Estoril, explica porque chega gente de Cascais, Alcabideche ou Lisboa para ali celebrar a eucaristia.
À porta da igreja, ao domingo, há dois plasmas montados. Funcionam durante as missas das 11h, 12h, 13h, 18h e 19h30, para quem não consegue um lugar sentado no interior da pequena igreja. Por ali passam mais de duas mil pessoas, só ao domingo, conta.
A eucaristia das 19h30 é destinada aos jovens e preparada por eles. Quando António Teixeira chegou, há cerca de um ano, o coro era constituído por pouco mais de uma dezena, hoje são quase 50, que trazem violas e tambores africanos, que cantam músicas alegres, muitas da autoria de membros do coro.
"Não há cá Manuel Luís ou Cartageno [dois dos autores portugueses de música litúrgica mais cantados]", diz, despachado, passando a explicar: "Atrair, passa pelo acessório, para depois ir ao essencial. A linguagem tem que lhes dizer alguma coisa, tem de ser sobre a sua vida concreta, senão, não vale a pena.
"A fama de ser o "padre dos jovens" persegue-o desde os tempos que esteve em Carcavelos. Depois, passou por Algueirão, a "maior paróquia da Europa", de onde saíram duas vocações sacerdotais, orgulha-se; e esteve em São Jorge de Arroios, em Lisboa, uma paróquia difícil porque envelhecida, reconhece, mas onde deixou uma "juventude activa".
Quando chegou ao Estoril, os jovens não estavam organizados, nem participavam, iam à missa com os pais, por tradição. Hoje, depois da missa ou de qualquer actividade, é preciso "mandá-los embora", porque querem ficar sempre mais um bocadinho, diz. "Antes, as missas eram massudas. Agora, com o coro e o padre António, começaram a ter mais gente", confirma Rita Arnaud, 22 anos, que vai à igreja desde pequena e canta no coro. "O padre António tem uma capacidade de atracção enorme, ele consegue transportar-se para a nossa realidade e fala connosco como um amigo", explica.
Às vezes, António Teixeira ouve acusações: "Ai, o senhor padre não gosta dos velhinhos." Não é verdade, defende-se. "Se queremos construir Igreja e não apanharmos os mais jovens, daqui a 20 anos ela não existe", justifica.
Os jovens também se queixam que António Teixeira é exigente. "Mas a mensagem de Jesus Cristo é radical e forte, é um ideal exigente", argumenta. Por isso, é importante ter também os mais velhos a colaborar - por exemplo, casais que mostram aos jovens que o namoro não é só uma brincadeira.
Como ser cristão não é ir só à missa, os jovens participam em inúmeras actividades, como voluntários. Um dos sítios é o bairro do Fim do Mundo, um aglomerado de barracas, onde vão dar explicações. Colaboram ainda com uma associação de apoio a reclusos e o banco alimentar da paróquia.No Verão, a missa das 19h30 muda de horário para uma hora depois, não só porque os dias são maiores, mas para dar tempo a que os mais novos regressem da praia. "É uma missa com alegria e profundidade, super-gratificante". B.W.
A Igreja de Ramalde, um edifício oval localizado numa das maiores freguesias no Porto, consegue albergar 1500 pessoas. E não são poucas as vezes em que fica a abarrotar. Mas, no final de cada missa, o padre Almiro Mendes faz questão de cumprimentar cada um dos fiéis. Pessoalmente. "Conheço todos. E, sempre que chega alguém novo, dou-lhe as boas-vindas. As pessoas ficam admiradas que o padre repare nelas mas sentem-se acolhidas.
" Em Dezembro, houve chá e chocolate para os que foram assistir à missa do galo. E aos domingos, no final de cada eucaristia, o consultório médico do centro paroquial abre as portas para que os fiéis possam, por exemplo, medir a tensão arterial. "Também estamos a pensar criar na Igreja uma divisória em vidro para as mães que queiram assistir à missa com os seus bebés", adianta o pároco.
São pormenores. Mas que dizem tudo da forma como este padre procura cativar os mais de 53 mil habitantes de uma freguesia que alberga pedaços das diferentes realidades do Porto: uma zona industrial - que, à noite, se transforma com bares e discotecas -, oito bairros camarários e ruas de vivendas e condomínios de luxo. "A igreja foi construída no sítio onde acabam os bairros sociais e começa a zona de luxo", declara Almiro Mendes. Mensagem subjacente: "Mostrar que a Igreja faz a ponte.
"Para garantir que é assim mesmo, Almiro Mendes desdobra-se em actividades e criou grupos de tudo e mais alguma coisa: de teatro, de fotografia, de avós e netos, de pessoas com disponibilidade para acompanhar os pobres e os doentes. O tempo chega ainda para promover desde passeios de bicicleta a workshops de fotografia, passando por discussões sobre namoro e sobre o aborto. "Um dos projectos que temos é o Projecto Raiz, desenvolvido com o colégio do Rosário, que dura há três anos e que já ajudou a tirar vários jovens da rua." Aqui, a estratégia de captação passou por chamar o líder dos miúdos da rua a colaborar no projecto. "O Joel tem muita autoridade junto destes jovens e tem conseguido puxá-los das ruas com acampamentos, cursos de teatro, de fotografia, de computadores..." O segredo? "Conseguir que eles se sintam actores, deixar que sejam eles a impor o ritmo.
" Habituado a fintar adversidades, conseguiu até pôr milhares de pessoas a aderir ao ritual do compasso pascal. Como? "Arranjámos cinco automóveis com campânulas que espalhámos por cinco pontos da cidade e que começaram a dar música, uma música alegre, em simultâneo. As pessoas iam à janela, viam uma cruz com muita gente à volta, e começavam a descer para beijar a cruz, transformando este ritual numa coisa muito mais alegre e comunitária." De resto, a iniciativa deste pároco não se confina à paróquia. Por estes dias, Almiro Mendes está a caminho da Guiné-Bissau ao volante de um jipe destinado aos missionários daquele país. O automóvel, que segue atafulhado de haveres, foi comprado com as receitas de um livro escrito pelo seu punho. "Tinha estado um ano na Guiné e decidi escrever as minhas impressões da experiência num país onde não há rendimento mínimo e o sofrimento é sempre máximo." O livro teve uma tiragem de quatro mil exemplares e o dinheiro promete fazer a diferença. Afinal, como sublinha o padre, "não é difícil ajudar as pessoas num país onde setenta euros chegam para pagar os estudos a uma criança durante um ano". N.F.
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