WikiLeaks: The other side of the magnifying glass
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As revelações do WikiLeaks são avassaladoras. Partem de uma constatação chocante - a fragilidade da segurança das comunicações da diplomacia americana - e são publicadas como bombas-relógio, uma por dia. Agora, chegaram a Portugal. Foram publicados os primeiros de mais de 700 telegramas que nos envolvem. O que mais virá? Já vamos ao BCP. Comecemos pela diplomacia: alguém pensa que as relações diplomáticas entre países se fazem entre chás dançantes e debutes? Se pensava, leu os livros errados. Basta acompanhar as viagens de José Sócrates para perceber que este campeonato não é para meninos.
Angola, Líbia, Venezuela, China, Argélia não são propriamente países de turismo sénior. Nunca um primeiro-ministro tornou tão visível a sua política de abertura de portas no estrangeiro às empresas portuguesas, naquilo que um dia Manuel Pinho definiu como "ser o director comercial do País": vendê-lo. Acontece que decidimos fazê-lo com a segunda metade do "ranking" da transparência internacional. E isso tem um custo. Não se negoceia com ditadores apelando à democracia.
Portugal não foi apenas o País anfitrião das Lajes. Nem é apenas o País que suplica compra de dívida pública na praça Tiananmen ou que criou dependências empresariais com Angola. Portugal foi o País que recebeu Mugabe na cimeira UE-África. Que convida ministros de Ahmadinejad. Que recebe Kadhafi em São Bento. Que estende tapetes vermelhos a Hugo Chavez. Líderes mundiais que não apertam a mão, dão beijos na cara. E quem vai à "real politik" dá e leva. É preciso dar outro exemplo que o de Ramos Horta, o Nobel da Paz que faltou à entrega do prémio a Liu Xiaobo, em obediência ao boicote chinês?
O WikiLeaks faz-nos perder a inocência. Já se sabia que o Governo português promovera negócios com o Irão. Ficou provado que o BCP também lá ensaiou oportunidades; que o Banco de Portugal accioniou os alertas sobre um País na "lista negra", para os receios de financiamento de terrorismo, armamento e branqueamento de capitais. O que não se sabe é mais nada: é palavra contra palavra.
Ninguém contesta a veracidade do despacho: a conselheira da embaixada americana em Portugal telegrafou que Santos Ferreira propunha fazer espionagem de clientes iranianos, o que é violação do segredo bancário - é ilegal. O presidente do BCP desmente a conselheira. A partir daí é o jogo das verosimilhanças. E não se condenam pessoas por instinto.
O BCP tem hoje o mesmo tipo de baraço diplomático na estrutura accionista. A Sonangol está mas não é: quer mandar mas não deixam. Esse é um problema inconfessado neste sistema financeiro europeu. A entrada de chineses no BCP é, aliás, um óbvio contraponto ao crescendo angolano.
É uma perversa ironia que Carlos Santos Ferreira termine o mandato no BCP no tipo de polémica que durante três anos quis extinguir. A reconciliação do banco com accionistas, colaboradores e clientes tem sido testada mas o banco não suporta novo escândalo. Provavelmente, esta polémica vai ficar arquivada nos baús do fumo sem fogo. Mas se o dano de reputação permanecer, Santos Ferreira terá de sair, pela mesma razão com que há um ano defendi a saída de Armando Vara: porque o interesse do banco é superior ao seu. É esse o poder do WikiLeaks. Afinal, como diz Alice, "tudo tem uma moral: é só encontrá-la."
Fonte da notícia: Jornaldenegocios