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quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

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O mito da supermãe

The Supermom Myth
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Para a filósofa e feminista francesa Elisabeth Badinter, "uma revolução silenciosa" instalou-se nos últimos anos em França depois da revolução feminista dos anos 1960. O resultado é um retrocesso ideológico relativamente ao papel das mulheres, com "um regresso ao naturalismo" na maternidade e a "culpabilização das mães", pressionadas a amamentar os filhos, a abdicar da carreira, a serem uma espécie de "supermães".

O livro "Le conflit, la femme et la mère" (Flammarion) saiu há uma semana em França, está no topo das listas de vendas e tem dominado o debate, envolvendo políticos e intelectuais, feministas e não feministas, mulheres e mães que, nos blogues ou na imprensa, dizem ser a favor ou contra as ideias do livro.

Umas identificam-se plenamente com o alerta lançado por Elisabeth Badinter e dizem ter finalmente encontrado alguém que as compreende; concordam com o princípio de que a sociedade impõe um modelo de maternidade que as faz esquecerem-se de si próprias, do seu corpo, do seu trabalho, da sua sexualidade, e reconhecem a pressão subjacente ao facto de que a identidade feminina se afirma através da maternidade. Outras refutam a ideia de que amamentar e ser uma mãe presente e disponível para os filhos representa um castigo ou uma tirania, como defende a autora.

Estando ou não de acordo, a análise de Badinter é "absolutamente crucial, uma reflexão que não tem sido feita, um grito de alerta muito importante neste momento", disse ao P2 Ana Cristina Santos, socióloga especializada em Estudos do Género e investigadora no Birbeck Institute for Social Research de Londres.

Direito à escolha

A especialista portuguesa reconhece o lado verdadeiro no discurso de Elisabeth Badinter, mas diz que feminismo e maternidade "não são irreconciliáveis", desde que prevaleça "o direito à escolha", essa grande conquista dos movimentos feministas no século XX. E lembra o slogan que dominou as campanhas para a despenalização do aborto em Portugal - "A maternidade deve ser uma escolha, não um castigo" - para dizer que ele ilustra esta tensão entre feminismo e maternidade. Essa tensão, porém, "não é inevitável", insiste.

A investigadora nota que, na Noruega, foi o movimento feminista que conseguiu que a licença de maternidade fosse prolongada para um ano - ser feminista não significa necessariamente ser contra um modelo de mãe presente.

"Não podemos assumir escolhas pelas pessoas. Essa ênfase no direito à escolha e à autodeterminação individual é a herança comum dos movimentos feministas", frisa.

Em Portugal, especifica, este regresso ao naturalismo não se verifica de forma tão contundente, embora "haja pressão para as mães amamentarem". Muito importante para esse debate sobre os benefícios da amamentação tem sido a posição da comunidade médica e científica - agora diz que o leite materno é melhor para os bebés, mas nos anos 1960 e 1970 dizia que era o leite em pó.

Representante do movimento feminista português, Maria José Magalhães reconhece o fenómeno que aponta Elisabeth Badinter, mas considera que ele é mais notório noutros países.

"Em Portugal, o retrocesso ideológico relativamente ao papel das mulheres na sociedade é menor porque acontece em paralelo com os avanços ideológicos no que se refere à igualdade", disse ao P2 a presidente da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta) e investigadora da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto. Maria José Magalhães enumera a igualdade no trabalho, a aprovação das licenças de maternidade e paternidade, a despenalização do aborto em 2007. Mas reconhece: "Na ideologia conservadora, há este novo mito de a mãe ficar a cuidar dos filhos e volta este ideal da maternidade. Quando há grandes crises, surgem essas ideias".

Mas nota que um estudo de 2008 (revisão de vários estudos feitos nos Estados Unidos desde a década de 1970) concluiu que os filhos de mães trabalhadoras são mais felizes, mais bem sucedidos e mais resistentes do que os outros. "Se a mãe não se sentir realizada, a relação com a criança também não é boa", salienta a investigadora. O mais importante para a relação não é a quantidade, mas "a qualidade" do tempo que a mãe passa com a criança.

Ana Cristina Santos reconhece, como Elisabeth Badinter, que "existe um discurso conservador que tem de ser desafiado". Mas modera a questão, apontando um ponto de vista diferente: "O discurso da mulher como mãe também tem uma componente emancipatória porque tem significado direitos adquiridos [como a licença de maternidade] e tem representado reconhecimento social para as mulheres".

Um primeiro passo


O livro é dedicado a Robert Badinter. O marido da escritora e distinto jurista foi o responsável, enquanto ministro da Justiça do Presidente François Mitterrand, pela abolição da pena de morte em França em 1981, um combate que iniciara em 1972. Poderá este acontecimento mudar as mentalidades, as dinâmicas? Será Elisabeth Badinter uma segunda Simone Veil, ministra da Saúde que, em 1974, lutou e conseguiu que fosse aprovada a despenalização da interrupção voluntária da gravidez em França? Ou será este livro apenas mais um episódio de passagem no debate feminista?

Muito vai depender da forma como "o movimento feminista agarrar o tema", considera Ana Cristina Santos. "Se aproveitar o embalo para discutir estas questões, para demarcar espaço social e político também nesta área da maternidade [como o tem feito com o aborto e a violência doméstica], então acho possível fazer-se a diferença. Senão será apenas um primeiro passo, mas um passo importante."





Fonte: Público

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